Já há alguns dias havíamos, eu, Bruno e Daniel, combinado de ir ao 92graus assistir um show que teria como headliner a banda Ereboros, do Rio de Janeiro. Ano passado assisti um show deles de graça no Lado B e fiquei muito impressionada com a ~potência~ do death metal dos caras, e como Bruno ainda não tinha visto insisti que fôssemos juntos. Os honestos 25 reais de entrada provavelmente não cobrem nem os custos de trazer quatro bandas — Misantra, Psycho Decadence, Abadon e Ereboros — a Curitiba-PR, mas certamente garantem música boa a preço acessível para a classe trabalhadora.

Ultimamente a ~cena~ extrema de Curitiba até que anda movimentada, embora não haja sequer uma produtora de shows local*. Quem tem salvo a pátria é a Xaninho discos (que descobri ontem ser de Belém-PA), a Tumba (de SP) e a Necrovoid (de SC). Na verdade, assim como ontem, em geral Curitiba dá sorte de pegar as bandas indo ou voltando de Santa Catarina, onde o rolê do metal extremo é bem mais ativo. Ontem, domingo, pegamos Misantra, Psycho Decadence e Ereboros voltando do festival Necrocamping, que aconteceu numa chácara em Barra do Sul-SC e teve um lineup imenso, coisa de 50 bandas ou mais.

O show no 92 começou umas 20h30 com o duo Misantra, de Londrina-PR. O Bruno gostou bastante, mas eu achei confuso. Parecia que guitarrista e baterista estavam cada um fazendo algo completamente diferente e apenas ocasionalmente se encontravam no meio. Era como uma jam de death metal, não consegui identificar muito bem o começo-meio-fim de cada música. Não entendo absolutamente nada de técnica, por isso gosto de procurar no som a construção de uma narrativa coesa.

A coesão da narrativa, aliás, parecia estar no centro do set list do Psycho Decadence, uma banda que desafiou minha capacidade de rotular seu tipo de som. Formada por cinco garotos do Rio Grande do Sul, a Psycho Decadence está em algum lugar entre o deathcore (afinal, eles são novinhos kkk) e o black metal. Na verdade, olhando pra cada um dos integrantes dá para perceber que cada um gosta de uma vertente do metal extremo e eles se divertem tentando fazer tudo conversar. O vocalista tem cara e voz — e que voz — de deathcore, mas os dois guitarristas pareciam curtir muito riffzinhos clássicos de black metal, bem tipo Mayhem mesmo. Boa parte das músicas tem breakdown, o que, pra gente que tá acostumado com a santa trindade do metal extremo (death, black, doom) é bastante esquisito. Às vezes, a música volta do breakdown completamente diferente do que era antes.

Psycho Decadence tem um som divertido e bem feito, e eu gostei tanto que peguei o contato de um dos meninos, o Pedro, para entrevistá-lo. Acabou sendo, na verdade, o empurrãozinho que faltava para eu começar a registrar minhas impressões sobre os shows de metal que frequento na forma de um experimento etnográfico.

A tônica das discussões ontem, inclusive com o Thiago, vocal e baixista do Ereboros, foi a falta de locais com boa estrutura e equipamento, e, especialmente, a falta de engajamento nos eventos de metal extremo. Contei pouco mais de 30 pessoas lá no bar, e, dessas, a grande maioria era de integrantes das próprias bandas e algumas namoradas. Havia também algumas figurinhas carimbadas dos rolês de metal, os metaleiros tristes e cansados de sempre. Mas o que mais me surpreende é que muitas bandas de Curitiba não tocam na própria cidade, e outras tocam apenas quando convidadas a abrir para bandas grandes que visitam a cidade em festivais. Acho bem feio que os integrantes das bandas só compareçam aos eventos em que vão tocar. É o equivalente, na academia, dos pesquisadores que só comparecem ao seminário na mesa em que vão se apresentar.

Das pouco mais de 30 pessoas presentes no lugar as mulheres eram minoria. Talvez eu deva começar a anotar esse tipo de informação, mas creio que éramos, contando comigo, oito. Foi durante o show do Abadon que duas delas resolveram sair no soco bem em frente ao palco. Acho que uma pessoa decente pararia o show enquanto a briga era apartada, mas, como não era o caso, a banda continuou tocando e rindo da situação. Nos meus já 20 anos de noite curitibana, foi a primeira vez que vi uma briga num role de metal, e, embora a situação tenha me surpreendido, a reação dos metaleiros foi bastante previsível. Uma das gurias estava bastante alterada, e gritava que iria esfregar a cara da outra no asfalto enquanto era contida por seus amigos, frase que dá título ao presente relato.

Eu tinha curiosidade em ver o Abadon — a quem Bruno chama Sabadão — por ser uma banda antiga da cidade. O som não tinha nada de surpreendente, era black metal by the book, e os integrantes encapuzados tiveram o cuidado de decorar o palco com crânios de animais, acender candelabros, rasgar e queimar bíblias. Guardei o pedaço de folha rasgada de bíblia que o vocalista do Abadon me entregou em mãos, pensando numa possível digitalização para compor esse relato. Mas a verdade é que ainda não sei como e se vou fazer análise de mídia nesse experimento, acho que não tenho o empenho que a aplicação dessa metodologia demanda. O show terminou com um cover de Murder Rape, banda super antiga de Curitiba que tem a biografia mais cômica que já li na vida.

A pancadaria voltou a rolar solta na calçada em frente ao bar enquanto o Ereboros montava seu equipamento. As duas gurias se embolaram no chão e os respectivos companheiros gritavam um com o outro, ambos com aparente medo de separá-las. Essa questão da briga foi muito estranha porque nenhuma das gurias foi embora, as duas ficaram lá, eventualmente tentando se engalfinhar outra vez. Fiquei impressionada quando vi uma delas com o tênis branco todo ensanguentado. Daniel falou sobre como a posição da mulher no rolê de metal é de submissão mas ao mesmo tempo de subversão, e eu acho a declaração interessante, mas talvez precise pensar mais sobre o tema para poder discuti-lo. Já passava das 23h e minha lombar doía. Sempre sofro quando vou ao 92 porque lá não tem onde sentar e ficar em pé das 20h até 00h30 é de matar.

O show do Ereboros fechou a noite e é a apresentação sobre a qual tenho menos comentários. Isso provavelmente se dá por eu já tê-los visto tocar ano passado e também por estar bastante cansada quando eles subiram ao palco. Mas o Ereboros é uma banda excelente, e vou fazer questão de vê-los sempre que vierem tocar aqui. Só acho uma pena que tão poucas pessoas tenham comparecido ao evento. É frustrante porque Curitiba é uma cidade relativamente fraca em termos de shows de metal extremo, e quando os shows acontecem calham de ser no mesmo dia, em lugares diferentes. A despeito da péssima divulgação, fiquei sabendo pouco antes de ir para o 92 que o Manger Cadavre? estaria tocando com outras bandas de grindcore no Camaleão Cultural. Faz tempo que quero ver essa banda ao vivo, mas isso só vai acontecer mais para o final do ano quando eles devem, junto do Krisiun, abrir o show do Napalm Death no CWB Hall.

Com exceção dos caras daqui de Curitiba, todos os membros das bandas que tocaram no 92graus fizeram questão de conversar com os presentes, montaram banquinha de merch e foram super acessíveis. Sempre fico com vontade de comprar camisetas, mas não adianta, eu gosto mesmo é de usar brusinha e acho camiseta um negócio calorento e desajeitado. Voltei pra casa com um adesivo bonito e um pôster do Psycho Decadence que dei de presente pro Bruno. Ele, por sua vez, comprou uma camiseta do Ereboros.

Os shows que tenho frequentado têm sido em geral bastante bons, e o surgimento de bandas como Orthostat, Noctus Arcanus e Psycho Decadence é muito bom para a renovação do underground. Continuo achando a noção de underground cafonérrima, mas já fiz as pazes com o fato de que, para mim, gostar de metal nunca foi “só uma fase”.

* Essa informação tem que ser revista pq lembrei da Brado, que não é exatamente de metal.

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