Ontem, 26/01, o Fantástico exibiu uma matéria que já estava causando polêmica antes mesmo de ir ao ar. Pra ser honesta eu não tava com vontade de comentar, mas sinto que não posso deixar passar em branco, sabe? A gente tá vivendo um momento em que uma espécie de pânico moral tomou conta do cenário do metal extremo com uma onda, inclusive, de cancelamentos de shows de bandas grandes. Foi o caso dos shows do Mayhem em Brasília e Porto Alegre, e, mais recentemente (recentemente tipo ontem mesmo) o cancelamento das participações de Horna e Acherontas no M.A.D Festival.
Dito isso, nesse post vou comentar apenas a reportagem do Fantástico, deixo as outras discussões pro ~pessoal da internet~. Seguem minhas considerações sobre a matéria:
Consideração n. 1
Nazismo é crime cuja apologia se encontra tipificada na Lei 7.716/1989. Fascismo aqui NÃO!
Consideração n. 2
A reportagem começa exibindo imagens de uma banda de black metal subindo ao palco, seguida de uma montagem de imagens relacionadas à Alemanha nazista. Eu não sei que banda é aquela, mas a conexão entre a banda e a simbologia fica subentendida pelo sentido da montagem. A narração diz que as letras das músicas incorrem em violência e crime. Uma pan mostra imagens de materiais nazistas apreendidos pela polícia, mas não diz onde nem quando. Será que foi aquele caso de Almirante Tamandaré do final do ano passado? A montagem continua com imagens de violência que claramente não são no Brasil, e retorna para cenas de bandas no palco com símbolos nazistas. É interessante como a escolha de imagens em sequencia rápida cria um gancho para a atenção do espectador sem, de fato, explicar quais casos serão postos em quadro.
Consideração n. 3
A narração diz que o Fantástico teve acesso exclusivo ao relatório da ONG Stop Hate Brasil (eles não têm site, só twitter) que fala sobre o crescimento do número de bandas que usam o black metal para difundir suas ideologias criminosas. É de se esperar, afinal o número de células neonazistas no Brasil teve um aumento de 270,6% apenas entre 2019 e 2021. Mas o que torna especial o caso do NSBM no Brasil? A gente que é fã de metal já tá cansado de saber que o gênero existe e, no geral, não se mistura com o resto do metal extremo, até por ser execrado dentro da própria cena. Mas por que dar palco especificamente pra esse gênero? Não seria interessante, então, trazer casos de apreensão de materiais e sujeitos envolvidos nesse tipo de crime?
Consideração n. 4
A reportagem mostra cenas de um show gravadas por um policial disfarçado (?) em Curitiba. Não reconheci a banda, mas me disseram tratar-se do Necrosound. De qualquer forma, não conheço. Diz a matéria publicada no site do Fantástico:
O levantamento aponta que são 125 bandas, a maioria em São Paulo (45 delas), no Paraná e no Rio de Janeiro. Juntas, lançaram mais de 650 álbuns. Muitas deles estão disponíveis em aplicativos de música, como o Spotify, e algumas têm parceria com bandas neonazistas de outros 35 países.
Olha, sendo bem realista, acho que 650 álbuns deve ser o total de lançamentos de black metal no Brasil. Será que tem tudo isso só de nazi? Fiquei curiosa pra ver esse relatório, porque tá aí algo que não faço ideia e que pode ser interessante sob aspecto quantitativo e qualitativo numa antropologia do metal extremo no Brasil.
Consideração n. 5
DO NADA falam do tal grupo terrorista no Telegram e do fulano que eu não vou citar pra não dar palco pra facho. Qual a relação do telegram especificamente com as bandas? Esses fóruns, grupos e chans não são meios preferenciais de comunicação entre grupos extremistas no geral? A matéria ainda ensaia um argumento como no Tiros em Columbine, quando tentaram atribuir à música do Marilyn Manson a responsabilidade por ataques de atiradores em escolas nos EUA.
Consideração n. 6
Quando entram os três ativistas pelos direitos de pessoas negras, LGBTQIAP+ e judeus eu perdi completamente o fio da meada. Do que mesmo essa reportagem está falando? Acho que as colocações dos três entrevistados são muito coerentes, mas deveriam estar em quadro também as responsabilidades das plataformas na disseminação desse tipo de conteúdo. Recentemente o Instagram, seguindo o modelo do X, removeu a verificação de conteúdos falsos e/ou criminosos da plataforma e nem uma palavra foi dita. Ficou no ar a advertência de que os pais monitorem o conteúdo consumido por seus filhos na internet. Legal. Mas, se esse é o cerne da matéria, o que tem a ver o gênero musical?
Consideração n. 7
Já estava tudo completamente sem pé nem cabeça quando entra em cena o pesquisador Wlisses James, que afirma:
Essas bandas e essas pessoas fazem festivais muito restritos a eles mesmo e não são bem-vindos em nenhum tipo de evento musical que não seja puramente realizado por eles, então, o black metal, como um todo, é contra esse tipo de ideologia.
Ok, obrigada! Finalmente uma opinião sã e vinda de alguém que conhece e tá envolvido na cena. Mas vem cá… se o black metal é, no geral, contra o neonazismo, e a grande preocupação está na regulamentação das plataformas digitais e combate à disseminação do neonazismo, por que usar especificamente esse gênero pra discutir um fenômeno que não é necessariamente musical?
Considerações finais
Na minha opinião, essa é uma peça de jornalismo sensacionalista dedicada a promover pânico moral. Como jornalismo, é raso e inócuo, mas pra quem está envolvido no corre de promover eventos de metal extremo é um desserviço que chega a ser perigoso. Já é imensamente difícil trazer bandas de fora para o Brasil e promover bandas locais no cenário nacional justamente pelo black metal ser um gênero musical pouco acessível às sensibilidades comuns. Agora, esse tipo de associação ideológica não fundamentada não só pode, como já está fechando portas e estagnando oportunidades para a interação entre bandas extremas (eu disse extremas, não extremistas) e fãs do segmento no Brasil.
Há de se perguntar quem está lucrando politicamente com esse tipo de ataque à cena black metal. Certamente esses cancelamentos estão produzindo vantagens como status, atenção da mídia e votos para alguém.
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