Tenho que parar com essa mania de procrastinar a escrita dos diários de campo. Mas a verdade, e todo mundo que escreve conhece bem essa realidade, é que a procrastinação é 50% do processo de escrita. Estou há mais de uma semana procrastinando o manuscrito de um livro e, honestamente, não sinto vontade de escrever nada, nem isso aqui.
Não vi que horas o Enthroned subiu ao palco, mas como disse anteriormente o evento aconteceu de modo bastante pontual. O Enthroned é uma banda de black metal da Bélgica que existe desde 1993 e já passou por diversas mudanças em sua formação, a qual, atualmente, é composta por duas guitarras, baixo, bateria e vocal. O 92graus é um bar pequeno, com um palco igualmente exíguo que comporta, com algum conforto, bandas formadas por três integrantes. Antes do show que aconteceu aqui, assisti pelo youtube a participação do Enthroned num festival europeu e me chamou a atenção como a banda se distribuía no espaço de um palco grande. Quando eles subiram ao palco do 92 fiquei com um pouco de dó. Trata-se, afinal, de uma banda bastante conceituada, mas que estava ali fazendo o seu trabalho como se tocasse dentro do Inter 2 às 18h30.
No momento do show, mais de 100 pessoas lotavam o espaço do bar. Fiquei contente em ver mais público, mais caras novas de gente que, espero, passe a fortalecer o role do metal extremo em Curitiba. Sei que estou sendo otimista, afinal, por mais que os ingressos dos eventos não sejam caros, frequentar shows custa o dinheiro das entradas, do consumo, do transporte… Encontrei o dono do bar e comentei que estou escrevendo diários de campo dos shows que frequento e penso em, quem sabe, futuramente compilá-los num livro. Afinal, é disso que eu vivo hoje, de pesquisar e de escrever.
Tive a sorte de encontrar um lugar para me encostar no balcão, de onde podia ver o palco de lado, mas com clareza. O vocalista parecia bastante irritado com a falta de espaço para os membros da banda e incomodado até com o pedestal do microfone que tolhia ainda mais seus movimentos. Tomando-o na mão apontou o pedestal para um lugar no meio da plateia indicando que o jogaria ali, para que alguém tirasse. Já sem o pedestal, ele se equilibrava sobre a beira do palco, com uma das mãos agarrando firmemente viga do teto sobre sua cabeça. Sim, além de tudo o teto sobre o palco é baixo.
O Enthroned não é uma banda dada a lançamentos frequentes de álbuns. O último álbum inédito saiu, se não me engano, em 2019. Ainda assim, o setlist era composto em sua maioria por músicas de discos recentes, com exceção de alguns clássicos: The Ultimate Horde Fights, Rites of the Northern Fullmoon e Evil Church. Um amigo de amigo de amigo conseguiu a lista com as músicas, que reproduzo a seguir:

Enquanto a banda se encaminhava para o final do show um cara que também estava encostado no balcão perguntou se estava atrapalhando, já que no momento eu comentava alguma coisa com o dono do bar. Respondi que não, e o abençoado veio puxar papo comigo. “Você não tem cara de quem curte black metal”, foi o que ele disse à guisa de cantada. Homens em geral são ruins de papo, mas o fato é que a galera do metal consegue sempre ser pior. É um gênero musical contraceptivo, ou, no termo cunhado por mim, ANTIFO — anti-foda. Naquele momento eu tentava entender o que diabos ele entenderia por uma “cara de black metal”, mas não quis perguntar. Na verdade, minha atenção tinha sido absorvida pela tela da prótese capilar colada sobre a careca do indivíduo. Era do tipo que imita, sem sucesso, um topete.
Eu sei, eu sei, quase sempre em shows de metal acham que eu sou a namorada perdida de alguém porque não me empenho em vestir couro sintético e spikes. Como qualquer adolescente, fiz isso até os 17 anos e depois — surpresa! — amadureci. Hoje, às vésperas dos 35, continuo achando ~visual metaleiro~ a coisa mais cafona do mundo. É cafona, mas ainda é meu tipo de música preferido. Respondi pro cara da peruca que sim, eu sei que não tenho cara de quem curte black metal: eu sou bonita demais pra isso kkkkkkkk. E saí, aproveitando que um amigo passava perto naquele momento.
Foi naquele momento que houve uma inversão da ordem das últimas músicas e o show encerrou com Of Feathers and Flames, música que simplesmente não consegui parar de ouvir desde então. Consegui ver essa música bem perto do palco e aproveitei para filmar um trecho, tentando fugir da *jazz hand* de um senhor muito animado que, por alguma razão, gritava para a banda “I’m a Belgian too”. Como se alguém se importasse.
O show do Enthroned foi com a mais absoluta certeza o show mais brutal que já vi aqui em Curitiba. Mais uma vez, foi graças ao empenho da produtora Tumba que o som esteve impecável e a banda pôde colocar a baixo aquele bar. Como comentava com um amigo no dia seguinte ao evento, não tem comparação com os últimos shows que vimos no CWB Hall no ano passado. Enthroned, NervoChaos e Introtyl mandaram bem demais, e, no fim, nem precisei da boa vontade mostrada por um outro amigo, para quem “tendo um blast beat bem feito eu já gosto da banda”.
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