Tava com saudade de escrever sobre um show, né minha filha?
Pois ontem, domingo, cheguei cedo no Lado B depois de assistir Ainda Estou Aqui no cinema. O filme me deixou muito impactada e cheguei no bar ainda com a cabeça aérea, processando as informações de um filme tão carregado de tensão e tristeza. A atmosfera deixada pelo filme começou a se dissipar quando meu amigo, parceiro de shows de sempre, chegou e começamos a conversar sobre filmes e, como sempre, sobre música.
O Lado B estava bem movimentado, porque a noite de calor estava convidativa para uma cerveja na calçada. Aqui em Curitiba tem-se o hábito de beber em pé na frente dos bares, porque são poucos os estabelecimentos que têm espaço e licença para colocar cadeiras na parte externa. Não lembro de ter visto isso noutras cidades, e quando morei em Campinas para fazer mestrado senti muita falta da já tradicional cervejinha na sarjeta curitibana. O público era predominantemente masculino, com cerca 15% de mulheres, apenas. A faixa etária gravitava em torno de 30-45 anos.
Aos domingos, o Lado B costuma trazer bandas autorais dos mais diversos estilos do underground. Tem bluegrass, punk, psychobilly, metal… Tudo com entrada gratuita para o público. Nesse domingo a banda convidada foi o Abadon, banda de black metal cuja formação atual conta com bateria, guitarra e vocal. A saída do baixista é recente, mas a banda está se virando bem com essa formação em trio. O show visava promover o mais recente lançamento da banda, o EP Páginas da Mentira.
O Abadon leva o conceito tradicional de black metal bastante a sério, e os próprios membros da banda sinalizam que 50% de sua performance é pautada pelo visual. Inclusive, na primeira postagem que fiz nesse blog comentei sobre o impacto causado pela cenografia orquestrada pela banda, que, nessa última iteração, montou em frente ao palco uma espécie de altar negro decorado com candelabros, velas pretas e crânios de animais. Parte da performance inclui o rasgar e a queima de páginas da bíblia.
Eu acho o equipamento de som do Lado B bem calibrado, mas normalmente meio estouradão, um pouco alto demais. Mas ontem no show do Abadon estava muito bom mesmo! A banda, motivada por tocar entre amigos no bar que é o lar do underground na cidade, fez uma apresentação excelente, com sonoridade pesada, rápida e brutal. Eu pirei no último riff da faixa título, Abadon, que a banda tocou seguida por um cover de Embassy of Satan, da, também curitibana, banda Murder Rape. A faixa lançamento, Páginas da Mentira, veio como ponto alto do show, junto com Satan My Master (clááássica do Bathory) e um Outro instrumental muito bonito que eles sempre tocam para encerrar suas performances.
Pra ser honesta, curti infinitamente mais esse último show em relação ao anterior que tinha assistido no 92 Graus. Acho que essa impressão tem a ver com o equipamento de som de lá, que já é conhecido por não ser muito bem ajustado. Quanto à performance visual da banda, acho interessante de um ponto de vista antropológico. É uma encenação que visa ridicularizar os ritos religiosos, mas que, ironicamente, se converte ela mesma em rito próprio, não só da banda, mas do próprio gênero musical e estético que é o Black Metal.
Mais que outras vertentes do metal extremo, o black metal é fortemente pautado pela performance visual. Por isso considero esse gênero em especial como uma experiência musical e estética que cria suas próprias categorias atmosféricas por meio da subversão de ritos socialmente institucionalizados, especialmente no que toca à crítica anticlerical.
A pergunta que eu me faço é: os ritos anticlericais do black metal ainda são capazes de chocar? Se sim, a quem eles devem chocar? Eu, particularmente, considero a performance visual e a construção de categorias atmosféricas por meio da experiência musical e estética o grande charme do black metal. Acho que em igual medida essa experiência choca e diverte. É como brincar com fogo, algo que, no caso do Abadon, acaba sendo literal.
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