AAAAAH como é bom chegar em casa e sentar! Está fazendo um calor inclemente e a noite parece convidar para uma cerveja na calçada, mas, veja bem, ainda é terça-feira. Apesar de ser apenas o início da semana útil, cerca de 400 pessoas se reuniram no Tork’n’Roll para o muito aguardado (vide posts anteriores) show de Rotting Christ em Curitiba.
O Tork é o autointitulado maior bar de rock da América Latina. Fica em Curitiba, no bairro Rebouças, no espaço onde antes parece ter funcionado algum estabelecimento automotivo. A estética do lugar preserva essa característica, com uma entrada que parece uma garagem, onde motos podem ser estacionadas. Depois das motos formam-se as filas para cadastro e revista dos frequentadores do bar, sendo num recuo do lado dessas filas o aquário que funciona de fumódromo. Quando se entra no bar, vê-se o espaço de um enorme barracão onde nas paredes laterais funcionam diversas lojas e lanchonetes, como numa praça de alimentação. Ao centro, mesas e cadeiras fixas atendem aos usuários desse espaço. Ao continuar andando, bem no meio do espaço da casa, se coloca um enorme balcão de bebidas em formato meio oval. Esse balcão divide o espaço da praça de alimentação do espaço de shows, que é amplo e conta com um palco largo e bem equipado: são dois painéis de led nas laterais e um bom equipamento de som.
Cheguei no local às 19h15 após alguma dificuldade para conseguir uber no horário de pico. Entrei sem pegar fila, passando pelo credenciamento de imprensa. Esse foi meu primeiro show como imprensa por esse blog, e eu estava bastante contente por ter conseguido me credenciar (Obrigada Clovis e Kenia da Acesso Music <3). Ainda não havia encontrado meus amigos quando iniciou o show da banda de abertura, a Torches of Nero, por isso me coloquei na grade para tentar fazer alguns vídeos.
Como mencionado numa postagem anterior, a Torches of Nero é um nome importante do black metal gaúcho. De formação relativamente recente, a banda trouxe ao palco uma caracterização visual esforçada, talvez até esforçada demais. O vocalista da banda vestia uma burca de cetim vermelha, o baterista tocava sem camisa e usando um capuz decorado com o crucifixo invertido do Mayhem, e o baixista vestia uma espécie de hábito religioso negro, com uma estola vermelha decorada com símbolos dourados e uma máscara de demônio preta. Adornavam o palco dois estandartes vermelhos à moda dos estandartes romanos: um trazia o desenho de colunas dóricas ruídas e o outro, encabeçado por algo que parecia uma águia romana, trazia dizeres escritos em grego e hebraico. Nada fez sentido para mim.
A sonoridade da Torches é crua e rápida, bem tradicional do black metal de influência grega, especialmente dos primeiros discos do Rotting Christ. O vocalista da banda, a quem entrevistei anteriormente, é aficionado por Rotting Christ e conta com uma vasta coleção de memorabilia relacionada à banda. O que é incomum, no que toca às músicas da Torches of Nero, é a duração – as musicas são consideravelmente longas e repetitivas, como se evocassem um hino religioso ou mesmo um mantra. Essa é uma característica que, particularmente, apela muito a mim, mas que acho que, nas circunstâncias observadas, depuseram contra a banda.
Creio, no entanto, que depuseram contra a banda por razões externas a ela: as luzes do palco eram fortes e, portanto, anticlimáticas em relação à cenografia de mistério proposta pela banda; e, em segundo lugar, porque se espera que bandas de abertura sejam curtas em seus setlists e rápidas em relação a sua sonoridade – afinal, a função da banda é aquecer o público para o show principal. Essa não parece ser a proposta da Torches of Nero, sabe? Acho que essa banda pede um espaço mais intimista e, principalmente, mais tempo para que se construa a ritualística de sua atmosfera.
Torches of Nero é uma banda bastante conceitual. Nem tanto sonoramente, o som é mais facilmente inteligível que a proposta estética. Mas existiu um descompasso ali que, conversando com os caras depois do show, se mostrou contingente às circunstâncias do rolê. Para você ver como existe um conceito que não se traduziu na performance, a música que mais gostei tinha um nome grego que não consegui decorar. Segue um vídeo de parte da música:
Excusando-me a má cinegrafia da parada, percebe-se pelo áudio que os sons graves também tinham intensidade insuficiente à necessária para esse tipo de som. Isso, infelizmente se repetiu no show principal, da banda Rotting Christ. Mas, pessoalmente, acho que isso se deve muito à característica poperô, digo, farofeira do bar, que, usualmente, recebe shows de bandas cover de gêneros de rock e metal mais bem populares e menos pesados que black metal.
Eis que Rotting Christ sobe ao palco! Foi minha segunda vez vendo a banda ao vivo, no ano passado, 2024, assisti ao show da tour de 35 anos da banda como presente de aniversário dos meus também 35 anos de idade. No show de abertura eu não sabia que minha pulseira dava acesso à frente da grade do show, descobri isso por tentativa e erro acerto na hora em que começava o show do Rotting Christ. Na lateral do palco encontrei os guris da Torches of Nero, já desmontados de seus figurinos e o Marlon, produtor da M.A.D que será responsável pelos próximos festivais de metal extremo aqui em Curitiba.
Existe em inglês uma palavra que é “starstruck” e não tem tradução para o português. É algo como estar fascinada por uma celebridade, ou algo assim. Ali na lateral do palco me senti um pouco assim, tentando desesperadamente vencer minha inabilidade em fotografar o movimento no palco e ao mesmo tempo curtir o show, e ao mesmo tempo pensar no tipo de conteúdo sendo produzido para essa crônica, e ao mesmo tempo tentando não atrapalhar ninguém ali naquele espaço. O setlist do show era, se não muito parecido, igual ao do último show que assisti. Isso ofereceu a vantagem de saber quando entrariam minhas músicas favoritas para tentar filmar a experiência. Mas devo dizer que durante todo o show minha maior preocupação era tentar atrapalhar o menos possível quem estivesse ali na frente da grade.
A banda transmitia uma vibe de “estamos muito felizes de estar aqui com vocês”, algo que, conversando com uns amigos depois do show, causou a impressão de não ornar com a vibe ~maligna~ de muitas das musicas. Também senti falta de alguma cenografia, ou uma iluminação que deixasse o palco com uma aura mais misteriosa. O show abriu com Aealo, do disco de mesmo nome, seguida de Pretty World, Pretty Dies, do álbum mais recente da banda, Pro Xristou. Esperei ansiosamente por Kata Ton Demona Eaytoy, que consegui filmar quase inteira de um canto onde esperava não atrapalhar ninguém:
Eu saí do corpo quando essa música tocou. Na moralzinha, inesquecível. Se o vídeo estiver tremido terá sido de emoção kkkkk. Outra música que me tira do sério é Elthe Kyrie. Essa e In-Yumen Xibalba foram as únicas nesse set do álbum Rituals que é de longe meu favorito do Rotting Christ. Esse álbum inteiro é uma obra de arte.
Uma banda com tantos anos de estrada sabe agradar também aos fãs mais antigos, por isso não faltaram os clássicos Non Serviam, Societas Satanas e King of a Stellar War. O público curtiu e cantou junto cada uma dessas músicas. E eu aproveitei o decorrer do show para dar uma rodada pela pista, fazendo fotos e alguns vídeos que nem de longe ficaram tão bons quanto esses feitos de pertinho. Encontrei alguns amigos no caminho, com os quais troquei palavras apressadas entre uma música e outra.
O rolê não acabou, todavia, após o bis – que foi a música Noctis Era. Junto à grade que separava o palco da pista formou-se uma fila, pois já é sabido que o Rotting Christ não cobra por fotos e autógrafos com seus fãs. Conversando com meu parça Baal Seth Penitent, do Torches of Nero, consegui um cd do álbum Pro Xristou que vem acompanhado de um adesivo e um pôster do Rotting Christ, em que consegui autógrafos de todos os membros, com exceção do vocalista Sakis Tolis. Vou guardar a lembrança com muito carinho! Obrigada Baal Seth Penitent e Rotting Christ <3 Ah, e aproveitei para usar todo meu conhecimento de grego para agradecer com ευχαριστώ aos membros da banda por suas assinaturas.


Em momentos como esse, sou grata à iniciativa do blog (grata a mim mesma hahaha) por me dar a oportunidade de registrar as impressões que tive dessa experiência, especialmente em se tratando da minha primeira vez como cobertura de imprensa num show. Essa é uma daquelas que chamo “alegria de pesquisa”, quando você vê um projeto individual frutificar num plano coletivo. Espero que venham – e virão! – outras oportunidades tão inesquecíveis como essa. Como disse hoje mais cedo, eu sou apenas uma cientista e a sociedade é meu laboratório. Estou contente por ter escolhido o metal extremo como laboratório social desse fazer que é em grande medida autoetnográfico. Nos vemos nos próximos shows!
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