Picolé de Limão é um podcast da Déia Freitas, do Não Inviabilize, que tem o objetivo de contar boas fofocas e sempre acaba em história de golpe ou de chifre, quando não os dois ao mesmo tempo. O que eu vou relatar aqui é puramente fofoca, informação de segunda e terceira mão que não tive e não tenho como verificar porque não tenho relação com nenhum dos envolvidos. Mas, historiadora que sou, vou reconstituir alguns fatos pra entender como eles impactam meu trabalho de pesquisa com a cena de shows de metal extremo em Curitiba.
Meu último post dava nota de alguns shows que aconteceriam aqui como eventos preparatórios para o Necrocamping, que teria sua primeira edição realizada em solo paranaense em dezembro, nos arredores de Maringá. Uma edição anterior havia sido realizada no litoral de Santa Catarina (em Barra do Sul, se não me engano) e foi um evento de três dias, com diversas bandas e blablabla. Algumas dessas bandas passaram por Curitiba na volta desse evento, como foi o caso do Ereboros, narrado nesse post aqui. Um lineup com *quarenta e duas* bandas já havia sido anunciado e os ingressos postos à venda pela plataforma Bilheto pela bagatela de R$ 150 reais no primeiro lote. 42 bandas, 3 dias de shows por 150 reais é surreal de barato — quase bom demais pra acreditar, não?
Em 1 de outubro recebi uma mensagem estranha pela lista de transmissão de WhatsApp da Necrovoid Productions, a qual reproduzo a seguir:
Boa tarde amigos da música independente e Underground de Maringá, Londrina e região.
A Necrovoid Productions foi fundada em 2022 com o intuito de apoiar e intensificar os shows de bandas underground. Desde seu início já tivemos em nossos eventos mais de 180 bandas underground e autorais onde muitas fizeram seus primeiros shows , além de abrir portas para inúmeras bandas tocarem ao lado de grandes nomes do metal nacional e internacional, todos os nossos eventos são realizados de forma independente sem investimentos externos pois acreditamos no underground. Hoje infelizmente tivemos uma triste notícia que um grupo de pessoas estão buscando boicotar nossos eventos na região, não sabemos o motivo deste movimento mas não iremos cancelar nenhuma das agendas na região [grifo meu] e pedimos o apoio a todos e todas para que juntos possamos fortalecer o metal underground no norte do Paraná.
Obrigado
Bruce
Essa mensagem veio do nada, não sei o contexto nem quais a quais eventos seu autor se referia. Só achei bem estranha essa espécie de justificativa não solicitada, e a sensação de estranheza foi reforçada por um card postado dias depois nos stories da produtora — apenas nos stories — que dizia “FAREWELL TOUR” seguido de uma lista de cidades e datas, porém sem nenhuma descrição adicional. Sem nomes de bandas, horários, locais, nada. Esses indícios levavam a crer que a Necrovoid, como outras tantas produtoras que já foram e já vieram, sairia de cena em breve, ainda que não houvesse nenhum comunicado oficial. Como, aliás, nunca houve.
Foi quando surgiu esse aviso no instagram da M.A.D. Produtora:
Poxa vida, já tem pouco show de metal por aqui, agora o maluco resolve sumir sem honrar os compromissos assumidos com outras produtoras.
Ok, vcs dirão que não é o primeiro nem será o último caso de golpe de produtora de shows, mas alguns detalhes sobre o tal sumiço da Necrovoid começaram a aparecer. O comunicado seguinte veio do Instagram da produtora Garage Tapes, de Londrina-PR, e se encontra transcrito a seguir:
“Venho por meio desta nota comunicar que o Garage Tapes rompeu qualquer tipo de relações com a Necrovoid depois do evento “Warmup” de Londrina, no dia 7 de setembro. Não era de meu desejo expor a situação para preservar minha imagem e a de minha produtora, porém com toda a situação atual não poderia deixar de esclarecer que como profissional e mulher fui extremamente desrespeitada e humilhada pelo proprietário no meio do evento.
Os shows foram marcados e divulgados nas páginas das duas produtoras como um evento conjunto. Nós do Garage Tapes fizemos quase toda a logística do evento de Londrina. Reservamos o local, chegamos antes de todos os responsáveis da Necrovoid no dia do evento e ajudamos a casa de show na limpeza e organização, buscamos equipamentos, cronograma de horários e etc. Gastamos tempo, energia e dinheiro para fazer o show das bandas acontecerem da melhor maneira, como sempre fazemos. O proprietário, ao chegar no local nos tratou com extrema arrogância sem sequer me cumprimentar, diminuindo todo o trabalho que foi feito e excluindo nossa participação no evento, nem sequer uma água nos foi liberada. Ao chamá-lo para conversar o desrespeito e desdém tomou conta e a forma como fui tratada jamais esquecerei, claro que como mulher já passei por situações onde homens tentam diminuir meu corre, mas jamais dessa forma.
O proprietário usou de questões financeiras para me humilhar, disse que eu queria chamar atenção e ele é quem mandava e desmandava nos eventos DELE. Que minha produtora era irrelevante e que eu, por ser muito mais nova que ele queria apenas “brincar” com bandas. Tratou meu trabalho como brincadeira, disse que não estava na produção de eventos para fazer amigos ou agradar pessoas e sim para fazer dinheiro. Que o Garage Tapes era irrelevante e não fazia diferença alguma para a Necrovoid. Quando cobrei respeito pelo meu trabalho ele tirou o crachá do pescoço e jogou perguntando se ‘era isso que eu queria’ (depois inclusive ficamos sabendo que ele contou para as pessoas que eu quem PEDI o crachá para ele). Por fim, depois de um show de arrogância e mentiras foi embora do evento sem dar nenhuma satisfação e nunca mais me respondeu as mensagens.
Dias depois nos retirou de toda colaboração dos posts no Instagram e nenhuma menção ao Garage Tapes foi feita em nenhuma publicação após o evento. Já nos foi comunicado que ele inventou diversas mentiras sobre mim, inclusive que eu estava “boicotando” eventos dele [grifo meu], oq nunca aconteceu. O Garage Tapes não tem envolvimento com nenhum outro evento deles, nem sequer flyers que saíram com o logo da minha produtora SEM O MEU CONSENTIMENTO. Essas são apenas algumas coisas que aconteceram no período em que tivemos contato com a Necrovoid e que nos afeta diretamente, o restante não comentarei aqui, mas já é de conhecimento de muitos.
Por fim, gostaria de dizer que o Garage Tapes e meu trabalho sempre foram e sempre serão voltados ao underground e as pessoas que acreditam no que fazem por amor e não por dinheiro. Em todos os anos que tenho de produção de evento acredito que jamais nenhuma banda tenha tido problemas comigo ou meu trabalho. Diante de tudo isso, nos sentimos tristes pelos prejudicados, que infelizmente são muitos, mas de certa forma me sinto aliviada de saber que as máscaras sempre caem e sempre vão cair. Qualquer pessoa que se envolver no underground querendo se crescer no trabalho sério de bandas e outras pessoas sempre terão o mesmo fim, cedo ou tarde. O underground resiste mais uma vez“.
O underground poderia ser um espaço de autoafirmação e expressão para pessoas que não cabem nos padrões do mainstream, mas sempre acaba virando território de desonestidade e também de misoginia. A dimensão de violência simbólica empregada contra a produtora da Garage Tapes se repetiria no comportamento do sujeito, conforme se observa no comunicado emitido pelas produtoras juulianesampaio e justbiapls, também por meio do instagram. Reproduzo aqui a íntegra do texto:
“Festival cancelado. Na quinta-feira @justbiapls trouxe uma bomba para mim, nós duas caímos em um golpe pelo proprietário da produtora e decidimos sair da equipe. Ele estava transferindo todo valor dos ingressos para a conta pessoal de outra pessoa. Bia e eu gastamos muita grana ali, financeiramente Bia foi a mais prejudicada. Têm sido difícil processar tudo isso, eu descobri na quinta-feira à tarde e no mesmo dia nos desligamos, tivemos que abandonar algo que idealizamos, nossa alma estava ali, não apenas tempo e dinheiro. Ter que decidir deixar o projeto do fest foi muito doloroso, mas no mesmo dia postamos um comunicado no nosso feed dizendo que estávamos nos desligando da produtora, e o proprietário mudou as senhas das páginas “Necrovoid” e “Necrocamping” e passamos a alertar a todos para que não comprassem mais ingressos, mesmo assim no grupo do whats “Necrozap” os músicos e clientes da produtora demonstravam estar animados para irem ao fest, quem comprou e quem ainda iria adquirir o ingresso também. E mesmo estando fora da equipe, eu gostaria muito que o evento acontecesse, por todos os envolvidos, bandas, público, pela cena underground de Maringá e região, pois nunca houve um evento desse porte aqui e também pelo fato de que eu sabia que se o evento fosse cancelado isso mancharia meu nome e o nome da Bia, mesmo nós duas também sendo vítimas. Ainda acreditando que o proprietário fosse dar continuidade e entregar o evento, dei à ele a possibilidade de me devolver o valor da primeira parcela da chácara que foi locada em meu nome, no valor de 4K e fazer outro contrato no nome dele, para ele assumir as outras duas parcelas. Ele não nos responde no whats ou atende nossas ligações desde quinta-feira.
No sábado descobrimos que o proprietário da produtora desativou as páginas da produtora e o Instagram pessoal dele “booking” e ele passou a enviar a seguinte mensagem para clientes via whats:
“Atenção
Necrovoid Productions & Necrovoid Booking informa que a partir de hoje está encerrando suas atividades. Para devoluções de ingressos ou outras informações enviar e-mail para brucebaiochi1979@gmail.com.”
Ele não teve a decência de postar um comunicado de cancelamento na página do Necrocamping. Eu fiz um story em meu Instagram avisando os seguidores que o Necrocamping e demais eventos foram cancelados e deixei o link do whats que foi disponibilizado para os clientes reaverem os valores dos ingressos.
Fico muito triste pelo cancelamento do Necrocamping, no cast estavam bandas de vários amigos meus, bandas que sou FÃ, eu vi a expectativa das bandas da minha região por terem a chance de poder tocar no mesmo fest em que bandas de muita expressão tocariam, e ver isso tudo desmoronando dói.
Sinto muito por todos que criaram expectativas e que de alguma forma gastaram algum valor seja com ingressos ou passagens. Ele brincou com os sonhos de muitas pessoas, pois agenciou bandas, dentre elas a banda de amigos o qual tenho um carinho especial.
Já aproveito para informá-los que o público que comprou ingresso antecipado para o Necrocamping, poderá entrar sem pagar no evento que ocorrerá no Tribo’s Bar em Maringá no sábado dia 14 de dezembro, isso é o mínimo e o máximo que podemos fazer. Neste dia teremos duas bandas Headlines do cast do Necrocamping.
Agradeço a todos amigos, artistas e público que sabem da nossa índole, que acompanharam os nossos corres nas produções de eventos e estão do nosso lado. Vocês fazem a diferença ❤️“
Você leitor pode argumentar que salafrário é salafrário independente de com quem lide, mas para mim, que sou pesquisadora de gênero e interseccionalidades, não deixa de existir uma dimensão de violência simbólica de gênero nesse golpe, visto que as pessoas mais prejudicadas são moças jovens, que têm em comum seu apreço e dedicação ao rolê underground. No caso das gurias que tiveram prejuízo financeiro ainda poderia constar violência patrimonial, que é tipificada na Lei Maria da Penha como “atos de controle, retenção, subtração e manipulação de recursos financeiros, limitando a autonomia econômica da mulher. A maioria dos agressores são parceiros ou ex-parceiros que, entre outras coisas, sujeitam as vítimas, dentre outros, à imposição de dívidas ou empréstimos “1.
Enfim, fico sentida pelas gurias vitimizadas pelo comportamento desse sujeito. Não sei quais atitudes elas pretendem tomar em relação a algo tão grave, mas acredito que caiba uma ação coletiva das pessoas que compraram ingressos para quaisquer dos eventos cancelados contra a Necrovoid Productions. Informações como CNPJ da empresa e nome completo do proprietário não são difíceis de achar, assim como possíveis ações do tipo que já devem constar no portal do JusBrasil.
Bom, gastei todo meu horário de almoço escrevendo essa postagem para concluir que, com o sumiço da Necrovoid caem três dos eventos previstos para os meses de novembro e dezembro em Curitiba. E acredito que exista uma grande chance de cancelamento das datas do Blood Red Throne aqui no Paraná e em Santa Catarina porque não há produtora local para cooperar com o pessoal da M.A.D. Produtora, que está trazendo a banda da gringa. Com isso, os próximos shows de metal extremo aqui em cwb são, salvo engano, apenas os seguintes:
- 25/10: Napalm Death, Ratos de Porão, Krisiun, Manger Cadavre? e Ethel Hunter no CWB Hall;
- 15/11: Strike of the Beast: Blasphemaniac, Matador, Tragic Shadows e Abadon no Basement Cultural;
- 19/11: Crypta, Inelement (ARG), Tellus Terror e Royal Rage no Tork’n’roll;
Essa escassez de eventos tende a se tornar regra novamente, o que dificulta enormemente meu trabalho de campo. Por essa razão, continuo sem saber o que fazer com essa pesquisa, embora tenha grande interesse em continuá-la. Alguém tem alguma sugestão de como eu posso investigar o role de metal extremo em Curitiba quase sem rolês de metal extremo em Curitiba?
1 Tirei esse trechinho da revista Forbes, mas periódicos científicos têm melhores discussões de jurisprudência.
Deixe um comentário