Eis-me aqui outra vez, após um longo e confuso hiato. Tem sido difícil encontrar tempo para exercitar minha observação participante nos ~rolês de metal~, inclusive os dois últimos shows que eu havia visto acabaram não sendo relatados porque perdi o timing. De qualquer forma, quero agradecer à querida Elaine, que me fez sair na marra para ver o show excelente que o Pentagram fez no Basement Cultural, e à Acesso Music, pelo credenciamento e por liberar o sorteio de um par de ingressos para o show do Ancient, que aconteceu no mesmo local. Ancient foi uma banda que me surpreendeu porque nunca dei muito por eles ouvindo online, mas ao vivo foi super legal. O pessoal torce o nariz por causa da história do guitarrista ter virado cristão – enfim, a hipocrisia – mas achei que o B.O. pessoal do cara não interferiu no som ou na estética da banda. Se muito, serve de fofoca: algo que a cena do metal finge não tolerar, mas não é segredo que adora um babado.

Isso tudo aconteceu nos longínquos meses de março e abril, após os quais entrei num ritmo de trabalho completamente insalubre. A minha sorte foi que durante esse período aconteceram poucos shows: sei que perdi Vazio / Ethel Hunter / Orthostat no Belvedere, e Culpado + outras bandas no 92 graus porque ambos coincidiram com um período de viagem de campo. O ritmo começou a diminuir na primeira semana de julho, mas eu estava tão exausta que simplesmente esqueci do show da Crypta. Inicialmente marcado para 3 de julho (meu aniversário :D), o show aconteceu na sexta-feira dia 04/07 no lugar onde era um muquifo o CWB Hall, que hoje atende por Stage Garden ou algo assim. Ainda quero ir lá pra ver se o equipamento de som está melhor que aquela tragédia do show do Dark Funeral kkkkk

Porém foi, então, no finalzinho de julho que finalmente consegui aparecer no rolê. E não foi qualquer rolê! O Basement Cultural abriu as portas para nada menos que seis bandas (!!!) que representam o melhor do que o death metal brasileiro tem produzido atualmente: Demophobia, metal punk de São Paulo; DarkTower, death/black metal do Rio de Janeiro; Ereboros, blackened death metal também do Rio; Vulture, deathzão de SP; e, representando a região sul, as bandas de death metal Orthostat, de Jaraguá do Sul-SC, e Cülpado, orgulhinho nosso, aqui de Curitiba.

As bandas que eu mais queria ver eram, claro, as que eu não ainda conhecia, mas só consegui chegar no Basement quando DarkTower já estava finalizando seu set. Fiquei chateada porque queria muito ter visto eles e o Demophobia, que são bandas que têm propostas muito diferentes entre si. O Demophobia, por sua relação com o punk, tem uma veia política reforçada pela escolha por cantar em português, já o DarkTower trata de relações de poder mediadas pela violência sob o prisma de uma realidade imaginada, como um filtro sobreposto à realidade. Pena que só fiquei conhecendo a banda de ouvir pelo Spotify mesmo kkkkkkrying

Mas o importante foi ter chegado a tempo de ver o Ereboros, de quem sou suspeita para falar porque a banda é meu xodozinho. Essa é a terceira vez que eles vêm a Curitiba e é a terceira vez que os vejo ao vivo após tê-los descoberto por acaso no Lado B. Após uma turnê no México e com nova formação, o Ereboros deve lançar em breve seu novo álbum, que ainda não descobri o título. Pelo que pude acompanhar pelos stories da banda a gravação parece estar bem adiantada e um videoclipe já em pós-produção. Não lembro se cheguei a filmar inteira a execução da música deles que mais gosto, Path of Solomon… na verdade não cheguei a checar nenhum dos vídeos que fiz naquela noite, fui deixando para depois e acabei perdendo o timing (história da minha vida).

Durante a apresentação fiquei reparando como o público daqui é tímido: perto do palco só estávamos eu e um rapaz que também estava fazendo fotos e vídeos, o resto do público estava bem recuado, a uma distância de uns 2m do palco. É como se as pessoas tivessem se escondendo do halo da iluminação do palco, sabe? Estava todo mundo concentrado no espaço onde a luz se dissipa. Acredito que esse distanciamento se constitua numa representação material do distanciamento simbólico do público em relação à banda. Não só pela falta de familiaridade em relação aos caras que estavam no palco, mas porque o próprio público aqui em Curitiba carrega consigo uma complexa dialogia de timidez e de bairrismo: reitero – e vou morrer proclamando! – minha indignação com o público em um evento, já há algum tempo, que simplesmente esvaziou o lugar quando uma banda que não era “da galera” subiu ao palco. Definitivamente não era esse o caso em relação ao Ereboros, mas aquela situação-limite foi fundamental para a construção de parâmetros analíticos que têm me servido como guia na observação de como são negociados os comportamentos coletivos sob os critérios relacionais entre público e banda e vice-versa.

Esse distanciamento do público em relação ao palco foi diminuindo com o passar da noite. O álcool sempre alivia as dores da estranheza social, não é mesmo? Quando a banda seguinte subiu ao palco percebi que o pessoal estava mais à vontade, e mesmo aqueles que pareceram rejeitar o aspecto “blackened” do show anterior se sentiram em casa com o death metal tradicional e competente do Vulture. A banda foi formada em 1995 e o som deles reflete muito as influências da época, em especial Death (óbvio!) e alguma coisa de Entombed ou Dismember, eu não saberia bem apontar. Death metal clássico não costuma ser um dos meus gêneros de maior preferência, mas acredito que o som do Vulture conversaria bem com um formato tipo LP. Som bacana para ouvir em boa companhia, tomando cerveja e comendo amendoim hahaha

Orthostat no palco do Basement Cultural.

Meu gosto para death metal é um pouquinho diferente, num estilo mais a ver com fone de ouvido e treinar feito um trator, sabe como? E essa é exatamente a vibe que me traz o Orthostat. Achei que a banda era recente porque os meninos têm cara de novinhos, mas a banda já tem dez anos, e, de uns tempos para cá, tenho visto eles ralarem bastante; estão sempre em turnê, e, para sorte de quem mora em Curitiba, sempre acabam passando por aqui. Com o EP Alchemical Veritas recém lançado, ainda esse ano eles devem desembarcar pela primeira vez no palco do festival Setembro Negro, em São Paulo. Na altura do show deles eu já estava um pouco cansada (perdi o costume, né) e preferi não ficar muito perto do palco, por isso filmei alguns trechos mais do meio da pista. Gosto do Orthostat porque eles sempre entregam, até hoje não vi uma performance fraca da parte deles.

Quem fechou a noite foi a prata da casa, o Cülpado. Como comentei anteriormente, eles tocaram em junho no 92 graus com algumas outras bandas que não cheguei a ver quais eram. Sempre acho difícil apresentar e/ou reapresentar as bandas daqui nesse diário porque, se, por um lado, não quero ser repetitiva, por outro, a familiaridade com a banda pode acabar fazendo com que determinadas informações sejam tomadas como sendo de conhecimento comum e o texto acabe ficando capenga. No entanto, sempre cabe reiterar que o Cülpado tem um som que mescla death e thrash metal para contar os “causos” de crimes que ficaram famosos na mídia brasileira. A música favorita de todo mundo (todo mundo, no caso, sou eu) é Picadinho, mas depois do show até parei pra ler um pouco sobre o caso dos Canibais de Garanhuns, já que recentemente um dos condenados virou pastor e apareceu pregando dentro do presídio. Não tem nem como comentar um negócio dessas, puta merda.

A escolha de fechar a noite com Cülpado foi bacana porque o show terminou com mais energia que cansaço, ainda que fizesse um frio de doer e todo mundo tenha saído correndo para se aquecer em casa. Também evitei me demorar para não arriscar ficar esperando uber sozinha de madrugada. Essa sempre acaba sendo a parte mais chata, porque quase sempre os rolês esvaziam e fecham super rápido e, dependendo do horário, pode ser bem demorado encontrar corrida. Embora provoque uma sensação agridoce, sair sozinha também tem sido importante para dimensionar minha experiência como mulher negra no rolê de metal, porque assim percebo com maior intensidade questões como insegurança, assédio, e certas violências simbólicas das quais eu muito provavelmente não seria vítima se acompanhada, especialmente se por um homem. De modo geral, o que me assusta não é estar sozinha, mas a precariedade da ex/posição da mulher nos espaços públicos do underground. Também tem me chamado a atenção o quão pronunciada é a falta de solidariedade por parte de outros frequentadores dos eventos, algo que coloca o momento da saída como ponto de tensão agravada a partir do qual tenho repensado o ato de “sair para o rolê” como prática estruturada que no caso desse estudo se equipara ao trabalho de campo. Continuemos pensando a respeito…

EDITADO: Demorou uma semana o intervalo entre o evento e a escrita desse texto, e esse período foi suficiente para embaralhar minha lembrança sobre a ordem do line-up. Me informaram pelo Instagram que, na verdade, quem tocou após o Vulture foi o Cülpado, e quem encerrou a noite foi o Orthostat. Peço desculpas pela confusão!

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